Fraternidade

ILUMINAÇÃO BÍBLICA

Pe. Ademir Rubini

Nesta edição abordaremos a dimensão bíblica da Campanha da Fraternidade (CF 2023), principalmente, a passagem principal que fundamentou o texto base (Mt 14,13-21). Este é o primeiro relato da “multiplicação dos pães” no Evangelho de Mateus. O segundo está em Mt 15,32-39. Além desses dois, há mais quatro: Mc 6,30-34; Mc 8,1-9; Lc 9,10-17; Jo 6,5-15. Esta repetição não é por acaso. Tem a intenção de revelar uma dimensão central do projeto de Jesus.

A moldura do texto Mt 14,13-21 é a angústia de Jesus diante da morte de João Batista, que havia sido degolado, a mando do rei Herodes Antipas. Jesus foi ao deserto para rezar e compreender melhor o que estava acontecendo. Deseja retirar-se para estar sozinho, o que acontece somente após atender a multidão (v. 23), que o surpreende, indo em busca de uma palavra de esperança e de cura dos seus doentes. Diante das necessidades, ele não pode nem mesmo colocar a própria angústia em primeiro lugar. Jesus demonstra sensibilidade diante da multidão carente. Sente compaixão, compartilhando o drama daquele povo.

Diante das pessoas famintas, se preocupa em dar de comer, e quer a participação dos discípulos nessa tarefa. A realidade da multidão faminta revela a condição de pobreza estrutural da Palestina do primeiro século, provocada, especialmente, pela alta carga tributária imposta pelo Império Romano.

Atitude de Jesus é expressiva. Diante da realidade da fome, orienta seus discípulos: “Dai-lhes vós mesmo de comer!” É o maior ensinamento da narrativa. A realidade da fome não pode deixar indiferente quem quer viver o Evangelho. É necessário buscar meios de superação ou, pelo menos, amenizar esse drama com atitudes concretas que estão ao nosso alcance.

A tentativa dos discípulos de Jesus foi diferente. Propuserem mandar a multidão embora, a fim de que cada um resolvesse seu problema. Esta atitude lembra a de Caim, logo após assassinar seu irmão Abel. Indagado por Deus sobre seu irmão, responde: “Acaso sou guarda do meu irmão?” (Gn 4,9). A postura de indiferença ou de querer “lavar as mãos” diante da fome, fere a vivência da fé cristã, levando ao pecado da omissão e do individualismo.

“Só temos aqui cinco pães de dois peixes” é a resposta dos discípulos. Jesus, no entanto, vê nisso a solução. Sete, na Bíblia, é o número da totalidade. O pouco que cada um possui, quando colocado a serviço de todos, aponta para a superação das necessidades. Além disso, “recolheram doze cestos cheios dos pedaços que sobraram”. O número doze lembra as doze tribos que formaram a totalidade do povo de Israel. O pão é direito de todos. Quando se vive a partilha, todos têm o necessário e ainda sobra… O gesto de recolher ensina também que o alimento não pode ser desperdiçado.

O episódio da multiplicação dos pães remete à Eucaristia. Os gestos de Jesus são semelhantes ao da Última Ceia: tomou… ergueu os olhos… pronunciou a bênção… partiu… e deu aos discípulos… (v.19). A bênção significa reconhecer que algo que se possui é dom de Deus. Celebrar o sacramento da Eucaristia compromete a viver a partilha, fazer como Jesus, doar a vida na construção de um mundo de paz, superando a fome material, mas também outros tipos de fome: de um abraço, de carinho, de Deus, de uma palavra amiga, de consolo… A mensagem de Jesus é um programa de vida.


Autor

Pe. Ademir Rubini

Presbítero da Diocese de Chapecó (SC). Professor na Itepa Faculdades. Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia – EST (2015).


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As opiniões expressas no presente artigo, são de total responsabilidade de seus signatários, não expressando a posição oficial da Igreja Particular de Vacaria.

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